Uma das facetas das múltiplas atividades da Embaixada do Brasil nos Estados Unidos tem como cenário não os gabinetes geralmente movimentados do Departamento de Estado mas as salas silenciosas do Arquivo Nacional americano, em College Park, no estado de Maryland. Esse trabalho se desenvolve não com base em notas diplomáticas ou em aide-mémoires contemporâneos, mas faz um retorno em direção do passado, com o objetivo de identificar e copiar papéis que podem ser extremamente importantes para a pesquisa sobre as relações internacionais e regionais do Brasil. Esta documentação lançará novas luzes sobre o relacionamento com os Estados Unidos, mas também para o estudo de nossa própria história (econômica, política, militar).
Os dois países têm uma longa história de relações diplomáticas, que vêm desde antes da independência brasileira (um ministro americano estava acreditado junto à corte de D. João, no Rio de Janeiro), relações praticamente contínuas desde 1809 até os dias atuais, com pequenos intervalos de ruptura temporária no Império.
Essas relações estão documentadas em comunicações feitas pelos representantes de Washington no Rio de Janeiro. Papéis consulares despachados de importantes cidades brasileiras trazem observações e comentários relevantes sobre a sociedade, a política e a economia do Brasil.
São milhares de páginas — a maior parte já microfilmada — que, pela densidade analítica e por sua importância intrínseca (dada a centralidade dos EUA na história brasileira, sobretudo depois dos anos 30), apresentam interesse para os pesquisadores dedicados ao estudo da inserção do Brasil no cenário mundial e a questões variadas do próprio ambiente doméstico.
A Embaixada está atualmente iniciando um projeto que visa a complementar os documentos sobre o Brasil anteriormente coletados em fundos americanos e disponíveis em dois arquivos brasileiros: o Arquivo Nacional e o Arquivo Histórico do Itamaraty, no Rio de Janeiro.
O Arquivo do Itamaraty possui os primeiros papéis diplomáticos produzidos na capital brasileira, desde 1809 até 1906, ademais de expedientes consulares emanados de dez postos, com destaque para o próprio Rio de Janeiro.
O Arquivo Nacional conserva outra série de papéis diplomáticos, desde 1910 até 1959, com exceção dos expedientes relativos ao período da Segunda Guerra, cujos microfilmes a Embaixada pretende adquirir no curto prazo para disponibilizá-los aos pesquisadores brasileiros.
Como os dois arquivos do Rio de Janeiro não possuem catálogos eletrônicos desses fundos americanos, os interessados em conhecer os papéis disponíveis podem consultar diretamente o website do NARA (National Archives and Records Administration), no link voltado para as consultas por país (http://www.nara.gov/publications/microfilm/diplomatic/diplo-7.html) ou visitar a página da Embaixada, onde as tabelas relativas a esses documentos e outros existentes estão sendo colocadas (www.brasilemb.net/arquivos/).
A Embaixada está iniciando esforço para completar as lacunas documentais ainda subsistentes, mediante a elaboração de um projeto de levantamento e cópia dos arquivos americanos de nosso interesse, a ser custeado tanto por recursos públicos como por contribuições privadas.
A intenção é não apenas de complementar as séries diplomáticas que já se encontram no Brasil, mas também compilar papéis de outras agências americanas que apresentam relevância para as relações bilaterais e para o estudos de outros problemas, no âmbito regional, mundial ou relativos a instituições e conferências internacionais.
Estão no primeiro caso, por exemplo, os fundos cobrindo a Segunda Guerra Mundial, papéis diplomáticos da época do Barão do Rio Branco (entre 1906 e 1910, o Departamento de Estado introduziu um sistema de classificação de documentos que fez com que os expedientes do Brasil ficassem dispersos em diferentes maços, que cumpre agora reunir e copiar) ou ainda as séries já liberadas do período posterior a 1959. No mesmo conjunto diplomático, faltaria consultar e eventualmente recuperar os papéis relativos ao Brasil do Escritório de Assuntos Inter-Americanos, que, entre 1937 e 1951, foi politicamente decisivo nas relações dos Estados Unidos com os países do hemisfério.
No segundo caso, temos uma massa documental importante que ainda precisa ser identificada e copiada, podendo cobrir órgãos tão diversos como os departamentos do Tesouro (1775-1990) e do Comércio (1898-1982), o Eximbank (1933-1975), a Comissão de Energia Atômica (1923-75), a International Trade Commission (1882-1971) e os antecessores do US-Trade Representative (1934-78), sem esquecer arquivos presidenciais (Truman, Eisenhower, Kennedy, Johnson, Carter e Reagan, para ficar nos mais conhecidos) e os da própria CIA, cujos antecedentes funcionais remontam a 1894.
O Freedom of Information Act poderá invocado para liberar papéis classificados que possam apresentar relevância para o estudo de nossa história recente, como no caso da notória operação Condor ou outras atividades menos famosas de inteligência em períodos e circunstâncias pouco felizes de nosso itinerário político contemporâneo.
Uma segunda etapa do trabalho que a Embaixada do Brasil poderia fazer, caso haja recursos, seria a conversão do material microfilmado ou já copiar os papéis inéditos em formato eletrônico (gif, tiff ou pdf), de maneira a permitir a confecção ulterior de CD-ROMs e lograr o acesso mais amplo possível desses arquivos via Internet, a exemplo do que já se fez para os relatórios das províncias e ministérios brasileiros desde o início do Império, bem como as mensagens presidenciais do período republicano, microfilmados e colocados em website no quadro do projeto “Brazilian Government Document Digitization Project” administrado pelo Center for Research Libraries (ver o website http://wwwcrl.uchicago.edu/info/brazil/index.html). Esse método dispensaria a consulta local aos historiadores não residentes no Rio de Janeiro, ademais de democratizar o acesso a um público ainda mais vasto de estudiosos. Uma parte importante de nossa história já foi escrita, no Brasil e no exterior, mas ela ainda precisa ser revelada.
A Embaixada em Washington está pronta para fazer o que estiver a seu alcance para abrir mais uma janela sobre nosso passado recente.